História Aty Guasu

Tonico Benites-Guarani-Kaiowá e pesquisador da UFRJ

História da invasão do território Guarani Kaiowá

Tekoha Guasu Guarani e Kaiowá, 18 de dezembro de 2012.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

POR QUE OS GUARANI E KAIOWÁ PRATICARAM E AINDA PENSAM EM PRATICAR O SUICÍDIO?


NOTA DE ESCLARECIMENTO SOBRE CAUSA DO SUICÍDIO NA VISÃO GUARANI E KAIOWÁ

Esta nota de lideranças da Aty Guasu visa explicitar e traduzir sinteticamente, o termo e conceito complexo de suicídio jejukauka, do ponto de vista Guarani e Kaiowá, esclarecendo os significados de “suicídio”, ou seja, um desejo e sentimento indígena de não viver mais, diante de desespero e medokyhyje , entendido como uma vontade profunda em se matar juntos jajejukauka pa se distanciar do sofrimento e de ameaça existente, é para não se ver mais johexa vei  nos meio de sofrimentos variados teko asy e sem perspectiva digna teko asyrã.  Dessa forma, pretendemos destacar os motivos principais que levam os indígenas se matar, ou melhor, o motivo de buscar/procurar/planejar a própria morte Guarani e Kaiowá jajejukauka que de fato foi divulgado historicamente pela imprensa nacional e internacional como a prática de suicídio Guarani e Kaiowá.

Importa ressaltar que todos os integrantes do Guarani e Kaiowá ameaçados, sem esperança de ver uma vida mais digna no futuro, pertencente aos territórios em conflito, em contexto de sofrimento infinito, já pensaram, algum momento, em suicídio. De modo fechado, o grupo já fala entre eles e pensa aborrecidamente em se matar, isto é, Guarani e Kaiowá sofridos carregam os sentimentos de reagir para morrer e/ou enfrentar iminente perigo/resistir se suicidando, por não conseguir o objetivo central de sua luta individual e coletiva, como povo indígena.  Este sentimento de não querer viver mais no Mundo suscita justamente frente à frustação, derrota, medo e fúria intensa indígena que só é narrada voluntariamente e expressada de modo discreto para as pessoas queridas íntimas ou companheiras/parceiras de luta recíproca. Assim, o sentimento Guarani e Kaiowá de não querer a viver mais é muito fechado e previamente nunca foi e nem será narrada em detalhe para as pessoas não indígenas estranhas e pessoas externas com quem não compartilham os seus sentimentos. Os indígenas narram previamente o seu sentimento pessoal somente para as pessoas de sua inteira confiança e companheira íntima. O fato de suicídio indígena já efetivado torna-se sempre público e divulgado pela imprensa. Não há uma preocupação de evitar o suicídio Guarani e Kaiowá.  Baseado em nossos sentimentos pessoais e nesses fatos citados acima, nas condições de lideranças de Aty Guasu, vimos, mais uma vez, reafirmar que os conteúdos da carta divulgada pela comunidade Guarani e Kaiowá de Pyleito kue/Mbarakay é uma decisão definitiva e histórica. Por exemplo, os trechos da carta da comunidade em julho/2003, dezembro/2009, agosto/2011, outubro/2012 declarou e divulgou que, “nós retornamos a reocupar a nossa antiga tekoha, voltamos aqui para morrer pela nossa terra”, “queremos morrer pela nossa terra antiga, por isso retornamos aqui reocupamos.” Este grupo indígena foi atacado e violentado, agredido e expulsa de modo cruel pelos pistoleiros em 2003, mas mesmo assim, retornaram a tekoha em 2009, foram agredidos e machucados e jogados na margem da estrada, porém voltaram de novo em 2011, sempre afirmando a sua intenção, “vamos morrer todos juntos pela nossa terra antiga”. De fato, já morreram vários integrantes nesse contexto de reocupação de Pyelito kue/Mbarakay. Os Guarani e Kaiowá reagiram para morrer, na sequencia, os machucados pelos pistoleiros estão morrendo sim, em outro termo, já estão praticando tal de suicídio sim. Esta é a verdade na nossa visão. Assim, a FUNAI não deveria confirmar em nota que “os indígenas de Pyelito Kue/Mbarakay não tem a intenção de suicídio, conforme divulgada pela imprensa”(Ver a nota da FUNAI em anexo), afirmação não confere com a realidade conhecida que nessa parte da nota da FUNAI nos deixa muito indignados. Visto que a FUNAI de Ponta Porã-MS agiu de modo autoritário com as lideranças de Pyelito Kue os intimaram para confirmar que “não há a intenção de suicídio”. Neste trecho da nota da FUNAI parece que está ignorando o fato conhecido de suicídio epidêmico do povo Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul. De fato, o suicídio indígena ocorreu e aumentou em decorrência da demora de identificação e demarcação do território antigo.  Os Guarani e Kaiowá se mataram, estão ameaçados e morrendo dia-a-dia por conta de medo, desespero, sem perspectiva digna. Essa é a verdade. É sabido que a imprensa está divulgando amplamente o caso de suicídio Guarani e Kaiowá desde 1980 que perdura até hoje.

Por fim, esta nota pretende esclarecer e reafirmar que as comunidades Guarani e Kaiowá da tekoha de Passo Piraju-Dourados-MS e tekoha Pyelito kue/Mbarakay-Iguatemi-MS decidiram a resistir o despejo sim e morrer todos juntos pela terra sim. A comunidade afirma na carta “ Nós não vamos sair daqui nem vivo e nem morto” “ nós vamos morrer todos junto aqui na tekoha antiga”. Assim confirmaram.

Atenciosamente,
Tekoha guasu Guarani e Kaiowá, 19 de outubro de 2012
Lideranças da Aty Guasu Guarani e Kaiowá

Esclarecimentos da FUNAI sobre situação de Pyelito Kue (MS)

Com relação às informações divulgadas pela mídia a respeito de ordem judicial de reintegração de posse a fazendeiros, determinando a saída dos indígenas Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue, Município de Iguatemi (MS), a Fundação Nacional do Índio (Funai) informa que está trabalhando para reverter a decisão e esclarece que não há uma data definida para cumprimento da liminar da Justiça Federal de Navirai-MS. De acordo com lideranças indígenas ouvidas pela Coordenação Regional da Funai em Ponta Porã, não há intenção de suicídio, conforme anunciado pela imprensa. O que há é a determinação de não se deixar o local que consideram sua terra tradicional. A comunidade aguarda o resultado do recurso interposto pela Funai, perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, que ainda não foi apreciado. A Funai informa ainda que está acompanhando a situação e presta atendimento e assistência jurídica à comunidade Guarani e Kaiowá acampada na área. Fundação Nacional do Índio – Funai Brasília, 19 de outubro de 2012.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Relatório da comissão de lideranças da Aty Guasu, após ouvir e ver a comunidade Guarani e Kaiowá de Passo Piraju-Dourados-MS


ATY GUASU GUARANI E KAIOWÁ LUTA PELA VIDA E CONTRA ETNOCÍDIO/GENOCÍDIO

Este relatório é da comissão de lideranças da Aty Guasu Guarani e Kaiowá, resultante de levantamento in loco da situação atual da comunidade indígena Guarani-Kaiowá da tekoha Passo Piraju-Dourados-MS. O levantamento in loco foi realizado no dia 16 de outubro de 2012.

Nós da comissão da Aty Guasu, a mando de 5.000 Guarani e Kaiowá articulados do território em conflito do cone sul de MS, no dia 16 de outubro de 2012, fomos à tekoha Passo Piraju participamos da reunião da comunidade de Passo Piraju, ouvimos e observamos diretamente a situação, posição e, sobretudo, a decisão da comunidade frente à ordem de despejo da Justiça Federal da TRF 3 São Paulo-S.P.

Em primeiro lugar, constatamos que, desde 08 de outubro de 2012, após receber a notícia que será despejada do lugar, a comunidade Guarani-Kaiowá de Passo Piraju se encontram em estado de pânico, perplexo e desespero total. Alguns rezadores ñanderu ou líderes espirituais já foram acionados para diminuir os desesperos e medo das crianças e adolescentes, ao mesmo tempo, os rezadores buscam a indicar alguma decisão possível dos adultos guarani-kaiowá diante da ordem de expulsão. Uma das decisões definitiva anunciada na reunião pela comunidade Passo Piraju é não sair do lugar, é resistir e morrer todos juntos. Esta decisão foi repetida, em coro, várias vezes pela comunidade.

 “Nós não vamos sair daqui! nós vamos morrer todos junto aqui!. Na beira da estrada não vamos voltar mais viver! por isso vamos morrer todos junto aqui mesmo!”. Ao falar essa frase várias mulheres e moças indígenas choram sem parar.

Por último, a comunidade de Passo Piraju pediu a visitação e vinda de vários rezadores e integrantes de outras comunidades indígenas do cone sul de Mato Grosso do Sul.   Por fim, constatamos várias estruturas construídas pelo Governo Municipal, Estadual e Federal no interior da tekoha Passo Piraju-Dourados-MS
Há uma escola construída pela prefeitura de Dourados-MS onde funciona o ensino de 1º a 5º ano.
Há prática de plantação e produção de alimento para o consumo próprio. Horta e pomar.
 A comunidade recebeu água potável pela FUNASA. Instalação da energia de “Luz para Todos”.
A comunidade de Passo Piraju informou que, apesar de pequena área onde moram mais de 400 indígenas, ali não há violência entre eles, todos convivem em harmonia e paz. Todos se alimentam bem diariamente, não há crianças desnutridas.
“ Aqui no Passo Piraju, nós estamos bem felizes, já faz dez anos que superamos a miséria e fome em que vivíamos na beira da estrada despejada”. “No passado recente, vivemos vários anos na beira da estrada com muito sofrimento e fome, onde nossas crianças passavam fome e doentes, muitas crianças morreram lá”, por isso nós não queremos mais retornar a viver na beira da estrada, preferimos a morte que voltar na beira da estrada. Entendemos que o Governo Federal construiu para nós escola, caixa da agua, posto saúde, assim está ajudando nós para sobreviver, enquanto a justiça federal vai mandar nos levar jogar na beira da estrada. “Parece que a Justiça do Brasil só que ver o sofrimento e morte dos índios na beira da estrada”. “Será que essa é justiça de verdade?”
Dessa forma, tristemente, a comunidade lembrou-se da miséria e fome vivida na beira da estrada, que de fato não quer nem imaginar e nem mais retornar ao passado sofrido e preferem a morte coletiva. Uma vez que na tekoha Passo Piraju, visivelmente, a comunidade sofrida e violentada, em parte está superando essa vida traumatizada e miserável narrada.
É evidente, de fato, para todos nós Guarani e Kaiowá do cone sul de MS, esse tipo de decisão de despejo deferido pela Justiça Federal é violência cruel que gera miséria e morte/extermínio dos indígenas sobreviventes, por essa razão, nós comissão de lideranças da Aty Guasu pedimos a revogação imediata da ordem de despejo da comunidade de Passo Piraju-Dourados-MS. Somente assim, a Justiça brasileira pode salvar e proteger as vidas dos primeiros povos nativos sobreviventes do Brasil que está em iminente perigo de retornar a sofrer e morrer indignamente.  Aguardamos os dias melhores e justos para as crianças indígenas Guarani e Kaiowá.           
 Atenciosamente,
Tekoha Passo Piraju, 16 de outubro de 2012.
Comissão de lideranças da Aty Guasu

Carta de Comunidade de Passo Piraju-Dourados-MS frente à ordem de despejo da Justiça Federal da TRF 3 São Paulo


Carta de seiscentos (600) comunidade Guarani-Kaiowá de Passo Piraju –Dourados-MS para o Governo e Justiça do Brasil

Por meio desta carta, vimos descrever e apresentar a nossa história e situação atual em tekoha Passo Piraju-Dourados-MS.   Nós 600 comunidades Guarani-Kaiowá estamos assentando na margem do rio Dourados-MS, há mais de 12 anos, aguardando a regularização da parte de nosso território tradicional Passo Piraju. Nos últimos dois anos no interior de tekoha Passo Piraju foi construída uma escola padrão (FNDE) com 3 salas pela prefeitura municipal de Dourados-MS onde estudam 150 alunos (as). Fundação Nacional de Saúde construiu um Posto de Saúde, além dessas estruturas construídas em nossa pequena tekoha Passo Piraju ganhou também encanamento de água potável (caixa d’água) e instalação de rede da energia elétrica do Programa Luz para Todos. Nós comunidades cultivamos o solo, produzimos a alimentação aqui mesmo, plantamos mandioca, milho, batata-doce, banana, mamão, feijão e criamos de animais domésticos, como galinhas e patos. Aqui agora não passamos fome mais. As nossas crianças e adolescentes são bem alimentadas e felizes, não estão pensando em prática de suicídio. Assim, há uma década, nesses doze (12) hectares estamos tentando sobreviver de formas saudáveis e felizes, resgatando o nosso modo de ser e viver Guarani-Kaiowá, toda a noite participando de nosso ritual religioso jeroky e guachire.  Porém, infelizmente, no dia 08 de outubro de 2012, de manhã recebemos uma triste notícia de extermínio/genocídio, violência e constrangedora, gerando profunda tristeza, perplexa, medo nas vidas de todos nós. Essa notícia é a ordem de nossa expulsão/despejo expressada pela Justiça Federal do Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3) São Paulo-SP. Recebemos esta informação de que nós comunidades, logo seremos atacada, exterminada e expulsa da margem do rio pela própria Justiça Federal. Assim, fica evidente para nós, que a própria ação da Justiça Federal gera e resgata o processo de extermínio de povo Guarani e Kaiowá, ativando as violências contra as nossas vidas, ignorando os nossos direitos de sobreviver na margem de um rio e próximo de nosso território tradicional Passo Piraju. Assim, entendemos claramente que a decisão da Justiça Federal é para exterminar coletivamente nós povo Guarani e Kaiowá. Diante dessa notícia de extermínio, todos nós começamos entrar em estado de desespero profundo e sem esperança de vida melhor. Os jovens e adolescentes começam pensar em morte e suicídio, não sabemos mais como garantir e anunciar o futuro melhor para nossas crianças. Realmente, queremos deixar evidente ao Governo e Justiça Federal que por fim, todos nós já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso pequeno território antiga. Não esperávamos de ser exterminado pela própria Justiça Federal. Estamos tentando sobreviver dia-a-dia nesse contexto de violências, exigindo e aguardando a justiça, mas infelizmente, de fato, a própria decisão da Justiça Federal vai exterminar nossas vidas. Frente a violência e extermínio anunciado pela Justiça à quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas??  Para qual Justiça do Brasil?? Se a própria Justiça Federal está exterminando nos e alimentando violências contra nós.  Diante da decisão Justiça, nós avaliamos e concluímos que vamos morrer todos pela própria ação da Justiça, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Moramos na margem deste rio Dourados-MS há mais de doze (12) ano.

De fato, sabemos muito bem que fora daqui, longe daqui, na margem da estrada iremos retornar a sobreviver na miséria e passar fome novamente, não queremos rever a miséria e fome de nossas crianças na margem da estrada, jogados como lixo como era antes, por essa razão, decidimos a resistir e morrer todos juntos aqui na margem do rio Dourados-MS. Se a justiça brasileira não quiser mais nos ver com vida por aqui pode mandar matar todos nós aqui no Passo Piraju. Decidimos que na beira da estrada não vamos retornar, preferimos morrer que retornar à margem da rodovia, por isso, a Justiça não precisa mandar retirar e despejar nós daqui só manda matar todos nós. Esse é nosso pedido definitivo. Aguardamos esta decisão da Justiça. Queremos ser morto e enterrado junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje. Assim, é para decretar a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Passo Piraju e para enterrar-nos todos aqui, somente assim, não reivindicaremos os nossos direitos de sobreviver. Esta é a nossa última decisão conjunta diante da decisão da Justiça Federal do Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3) São Paulo-SP.

Atenciosamente,
Tekoha Passo Piraju-Dourados-MS, 16 de outubro de 2012
Assinamos nós 600 comunidade Guarani-Kaiowá de Passo Piraju-MS

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Aty Guasu destaca que a demarcação de terras indígenas iniciada no período da ditadura militar foram entregues aos indígenas


NOTA DO CONSELHO DA ATY GUASU PARA GOVERNO E JUSTIÇA FEDERAL

Esta nota das lideranças da Aty Guasu Guarani e Kaiowá objetiva apresentar a história de início da luta árdua do povo Guarani e Kaiowá pela recuperação, demarcação e regularização de territórios tradicionais tekoha guasu, destacando as ações do Governo de Ditadura Militar (1980) e do Governo Democrático do Brasil (desde 1986-2012) e as ações da Justiça Federal frente às reivindicações antigas do povo Guarani e Kaiowá que perdura até hoje. Trata-se, nesse sentido, de descrever as ações cruéis diversas históricas praticadas equivocadamente contra a vida dos Guarani e Kaiowá tanto pelo Governo do Brasil quanto pela Justiça Federal, fato ocorrido nos últimos 50 anos.

Inicialmente, destacamos que a reivindicação e luta pela demarcação de territórios Guarani e Kaiowá começou intensamente a partir da década de 1960, no período de regime da ditadura militar. Assim, a luta Guarani e Kaiowá para permanecer assentados nos territórios tradicionais desencadeou frente ao processo de expropriação e expulsão dos Guarani e Kaiowá de seus territórios tradicionais, portanto, essa luta indígena pela demarcação dos territórios tradicionais é histórica e antiga.

No início da década de 1950, o processo de colonização do sul do atual Estado do Mato Grosso do Sul se intensificou rapidamente e inúmeras comunidades Guarani e Kaiowá foram expropriadas e expulsas de seus territórios antigos a partir da atuação conjunta de fazendeiros recém-chegados e funcionários do primeiro órgão indigenista oficial (Serviço de Proteção aos Índios) vinculada ao Governo Militar. O conjunto dessas comunidades indígenas foi transferido ou “confinado” para a Reserva/Posto Indígena criado pelo Governo Militar através do Serviço de Proteção aos Índios (SPI).  Entre 1915 e 1928 foram criados oito Postos Indígenas (P.I.s) no atual estado do Mato Grosso do Sul entre os Guarani e os Kaiowá. São eles os P.I.s de Dourados; Caarapó; Pirajuí, Sassoró; Porto Lindo; Taquapiri; Limão Verde; Amambai

As narrações dos indígenas idosos (as) repassadas para a nova geração Guarani e Kaiowá evidenciam que várias argumentações e táticas violentas foram postas em prática no momento de chegada dos agentes do Governo Militar e fazendeiros e na sequencia passaram a praticar a expropriação e expulsão dos Guarani e Kaiowá de seus territórios tradicionais. Estes atos de expropriação, expulsão desvinculação dos indígenas de seus territórios são compreendidos e definidos pelas lideranças indígenas como uma das violências irreparáveis. Uma vez que a expulsão e tentativa de desligamento Guarani e Kaiowá de seu território antigo ocorreram com violências variadas e sem motivo e sem explicação nenhuma, sobretudo não há justificativa consistente do ponto de vista indígena para abandonar os seus antepassados e se desligar dos seus territórios tradicionais. Por essa razão fundamental, várias comunidades Guarani e Kaiowá inconformadas e constrangidas já lutaram, ainda lutam e lutarão reiteradamente pela recuperação desses territórios antigos. Assim a expropriação e expulsão violenta dos indígenas são definidas como ameaça de morte coletiva, cultural e física (etnocídio/genocídio). Além disso, o despejo e expulsão dos indígenas dos seus territórios tradicionais geram a vida instável, suicídio epidêmico e constrangimento profundo ao modo de ser e viver indígenas. De modo similar, outra violência que está levando a extinção cultural e física do povo Guarani e Kaiowá é a tentativa de “confinamento” na pequena área e transferência compulsória das famílias indígenas para os Postos Indígenas do Serviço de Proteção aos Índios.

Em resumo, importa destacar que na década de 1960 a prática de expulsão/despejo dos indígenas dos seus territórios foi iniciada pelos jagunços/pistoleiros dos fazendeiros apoiados pelos agentes do Serviço Proteção aos Índios. Nas décadas de 1970 e 1980, as expulsões Guarani e Kaiowá dos seus territórios foram autorizadas pela própria Justiça Federal que perdura até os dias de hoje. Por exemplo, no último mês, Justiça Federal de Navirai-MS expediu a ordem de despejo da comunidade Guarani e kaiowá de Pyelito Kue-Iguatemi-MS. De modo igual, um juiz federal de São Paulo-SP, assinou o despejo da comunidade Passo Piraju-Dourados-MS. O teor da justificativa dos juízes federais para despejar a comunidade Guarani e Kaiowá é muito estranho/ esquisitos, não procede cientificamente, só levam em considerações os registros cartoriais do imóvel dos fazendeiros e “produção” que se apropriaram dos territórios indígenas. Assim, os juízes federais passam a taxar os indígenas de invasores, temidos, ser inútil e não humano total, no sentido de que os indígenas não são ocupantes originários dos territórios, os indígenas fossem procedentes de outro Mundo ou planeta, ignorando completamente as memórias indígenas e o registro historiográfico de expropriação e expulsão recente dos indígenas dos seus territórios tradicionais. Evidentemente, alguns juízes federais mencionados ignoram e desconsideram o ato de expulsão violentas indígenas efetuadas pelos atuais “proprietários/fazendeiros”, sobretudo estes juízes federais apoiam a violência contra a vida humana, ignorando os direitos indígenas e Humanos.

Por fim, é essencial registrar que as demandas e reivindicações da demarcação e reconhecimento oficial de aproximadamente cinquenta (50) territórios tradicionais pelos indígenas Guarani e Kaiowá começaram intensamente no final da década de 1970 que persiste até hoje. Diante da luta e reivindicação constante de reconhecimento demarcação de territórios Guarani e Kaiowá, no meado de 1980, ainda o Governo Militar ordenou a identificação e regularização de dez (10) terras indígenas Guarani e Kaiowá que as demarcações definitivas foram concluídas e os indígenas reocupam somente em meado da década de 1990, isto é, já após a redemocratização do Brasil, isto é, há uma década após o Brasil se tornar país Democrático da República e já com a sua nova constituição Federal da República estabelecida em 1988. Na sequencia, em meado de 1990, o Governo Federal através da FUNAI mandou identificar e demarcar mais de dez (10) territórios antigos reivindicados, mas de fato, nenhum território foi entregue totalmente aos indígenas Guarani e Kaiowá até hoje. Há mais de uma década já passou, a comunidade indígena reocupa apenas uma pequena parte dos territórios antigos já regularizados e demarcados pelo Governo Federal no final de 1990 e no início de 2000. A partir de 2007, o Governo Federal ordenou a identificação e demarcação de trinta (30) territórios tradicionais antigos reivindicados em 1980, porém até no mês de outubro de 2012, nenhum relatório de identificação foi publicado pelo Governo Federal. Por essa razão, juízes federais estão expedindo a ordem de despejo e expulsão dos indígenas dos seus acampamentos, aumentando violências variadas contra a vida indígenas Guarani e Kaiowá.

 Em suma, somente dez (10) pequenas terras indígenas identificadas e demarcadas em meado de 1980, no período de regime da ditadura militar foram concluídas e entregues definitivamente aos indígenas Guarani e Kaiowá.   

Diante desse quadro histórico mencionado exigimos ao Governo Federal a devolução total dos territórios já demarcados em 2000. Além disso, solicitamos a conclusão e publicação de relatórios de identificação de 30 territórios tradicionais Guarani e Kaiowá.

Aos juízes federais demandamos para levar em considerações a nossa memoria, trajetória e as violências suportadas que nós indígenas Guarani e Kaiowá fomos expulsas de nossos territórios tradicionais pelos fazendeiros ao longo da década de 60 e 70. Por esse motivo, a maioria das comunidades Guarani e Kaiowá, na década de 1980, já estava assentada nos Postos Indígenas em que foi transferida de forma violenta para oito (08) Postos Indígenas criados pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI).

Aguardamos a posição diferente de Governo e Justiça Federal.

Atenciosamente,
Tekoha Guasu Guarani e Kaiowá-MS, 10 de outubro de 2012
Lideranças de Aty Guasu Guarani e Kaiowá-MS

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Carta da comunidade Guarani e Kaiowá de acampamento da margem do rio Hovy-Iguatemi-MS


Carta da comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay-Iguatemi-MS para o Governo e Justiça do Brasil

Nós (50 homens, 50 mulheres, 70 crianças) comunidades Guarani-Kaiowá originárias de tekoha Pyelito kue/Mbrakay, vimos através desta carta apresentar a nossa situação histórica e decisão definitiva diante de despacho/ordem de nossa expulsão/despejo expressado pela Justiça Federal de Navirai-MS, conforme o processo nº 0000032-87.2012.4.03.6006, em 29/09/2012. Recebemos esta informação de que nós comunidades, logo seremos atacada, violentada e expulsa da margem do rio pela própria Justiça Federal de Navirai-MS. Assim, fica evidente para nós, que a própria ação da Justiça Federal gera e aumenta as violências contra as nossas vidas, ignorando os nossos direitos de sobreviver na margem de um rio e próximo de nosso território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay. Assim, entendemos claramente que esta decisão da Justiça Federal de Navirai-MS é parte da ação de genocídio/extermínio histórico de povo indígena/nativo/autóctone do MS/Brasil, isto é, a própria ação da Justiça Federal está violentando e exterminado e as nossas vidas. Queremos deixar evidente ao Governo e Justiça Federal que por fim, já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça Brasileira. A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas??  Para qual Justiça do Brasil?? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós.  Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos aqui acampados 50 metros de rio Hovy onde já ocorreram 4 mortos, sendo 2 morreram por meio de suicídio, 2 morte em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas. Moramos na margem deste rio Hovy há mais de um (01) ano, estamos sem assistência nenhuma, isolada, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Tudo isso passamos dia-a-dia para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay.

De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários os nossos avôs e avós, bisavôs e bisavós, ali estão o cemitérios de todos nossos antepassados. Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser morto e enterrado junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para  jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais. Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal, Assim, é para decretar a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e para enterrar-nos todos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem morto e sabemos que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo de modo acelerado. Sabemos que seremos expulsas daqui da margem do rio pela justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo/indígena histórico, decidimos meramente em ser morto coletivamente aqui. Não temos outra opção,  esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai-MS.     

Atenciosamente,
Tekoha Pyelito Kue/Mbarakay-Iguatemi-MS, 08 de outubro de 2012
170 comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay
SEGUE NA SEQUENCIA O REGISTRO DE NOSSA HISTÓRIA
  
Este relatório é do conselho da Aty Guasu Guarani e Kaiowá, explicitando a história e situação atual de vida dos integrantes das comunidades Guarani-Kaiowá do território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay, localizada na margem de RIO HOVY, 50 METROS DO RIO HOVY no município de Iguatemi-MS. Este acampamento da comunidade guarani e kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay NA MARGEM DO RIO HOVY começou no dia 08 de agosto de 2011.

 É importante ressaltar que os membros (crianças, mulheres, idosos,) dessa comunidade
reocupante, no dia 23/08/2011, às 20h00min, foram atacados de modo violentos cruéis
pelos pistoleiros das fazendas. Na sequencia, a mando dos fazendeiros, os homens armados passaram permanentemente a ameaçar e cercar a área minúscula reocupada pela comunidade Guarani-Kaiowá na margem do rio que este fato perdura até hoje.

 Em um ano, os pistoleiros que cercam o acampamento das famílias guarani-kaiowá, já cortaram/derrubaram 10 vezes a ponte móvel feito de arame/cipó que é utilizada pelas comunidades para atravessar um rio com a largura de 30 metros largura e mais de 3 metros de fundura. Apesar desse isolamento, cerco de pistoleiros armados e ameaça de vida constante aos integrantes indígenas, porém 170 comunidades indígenas reocupante do território antigo Pyelito kue continuam resistindo e sobrevivendo na margem do rio Hovy na pequena área reocupada até os dias de hoje, um ano, aguardando a demarcação definitiva do território antigo Pyelito Kue/Mbarakay.

No dia 8 dezembro de 2009, este grupo já foi espancado, ameaçado com armas de fogo, vendado e jogado à beira da estrada em uma desocupação extra-judicial, promovida por um grupo de pistoleiros a mando de fazendeiros da região de Iguatemi-MS. Antes, em julho de 2003, um grupo indígena já havia tentado retornar, sendo expulso por pistoleiros das fazendas da região, que invadiram o acampamento dos indígenas, torturaram e fraturaram as pernas e os braços das mulheres, crianças e idosos. Ver: link no google. Em geral. os Guarani e Kaiowa são hoje cerca de 50 mil pessoas, ocupando apenas 42 mil hectares. A falta de terras regularizadas tem ocasionado uma série de problemas sociais entre eles, ocasionando uma crise humanitária, com altos índices de mortalidade infantil, violência e suicídios entre jovens.

No último mês a Justiça Federal de Navirai-MS, deferiu liminar de despejo da comunidade Guarani e Kaiowá da margem do rio Hovy solicitado pelo advogado dos fazendeiros e, no despacho cita “reintegração de posse”, mas observamos que o grupo indígena está assentada na margem do rio Hovy, ou seja, não estão no interior da fazenda como alega o advogado dos fazendeiros. De fato, não procede a argumentação dos fazendeiros e por sua vez juiz federal de Navirai sem verificar o fato relatado, deferiu a reintegração de posse. É primeira vez , não é possível despejar indígenas da margem de um rio. Por isso pedimos para Justiça rever a decisão de juiz de Navirai-MS.   
No sentido amplo, nos conselhos da Aty Guasu recebemos a carta da comunidade de Pyelito Kue/Mbarakay em que consta a decisão da comunidade que passamos divulgar a todas as autoridades federais e sociedade brasileira.

Tekoha Pyelito kue/Mbarakay, 08 de outubro de 2012.
Atenciosamente,
Conselho/Comissão de Aty Guasu Guarani e Kaiowá do MS.