NOTA DA ATY GUASU GUARANI-KAIOWÁ-MS
O objetivo desta nota do conselho da grande assembleia Guarani-Kaiowá Aty Guasu é destacar os direitos indígenas garantidos na Constituição Federal de 1988. A princípio a Constituição Federal de 1988 reconhece os povos indígenas integralmente como ser Humana e capaz, passando a possuir os direitos humanos. Até a Constituição de 1988 o Estado Brasileiro atribuía aos povos indígenas a condição de “relativamente (in)capazes”, ou seja, nós indígenas fomos há séculos juridicamente considerados como sub-humano, nós “índios”não teríamos a condição e capacidade Humana, não éramos tratados como pessoas humanas, por essa razão mesmo foi criada órgão indigenista tutor. Importam explicitar que a Constituição Federal de 1988, art. 231: reconhece os direitos à nossa organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Assim, a partir de 1988 a tutela indígena e incapacidade dos índios são juridicamente superadas, portanto nós indígenas passamos a ser compreendido como sujeito de direitos, humanas e cidadão primeiro brasileiro. Essa Lei Federal garante-nos os direitos de recuperar as terras que tradicionalmente ocupamos. Além disso, temos direitos de nós manifestarmos, propor e lutar pelas políticas públicas específicas de reparação, visto que fomos historicamente taxados de não humano, explorados, massacrados, expropriados e expulsos de nossos territórios antigos. Neste sentido amplo, o Estado-Nação Brasileiro possui imensa dívida com nós indígenas. Até o momento, apenas duas políticas públicas específicas (saúde indígena e educação escolar indígena) foram em parte implementadas para atender especificidades dos povos indígenas. Apesar da existência de nosso direito a recuperar as nossas terras antigas, porém entendemos que até hoje não há ainda uma política clara do Governo Federal para efetivar a demarcação definitiva das nossas terras tradicionais, isto é, em nossa visão não existe uma posição e ação segura do Estado-Nação e da Justiça para efetivar a devolução da parte dos nossos territórios tradicionais reivindicados. Exemplo: a identificação e demarcação de nossos territórios Guarani-Kaiowá iniciadas pela Fundação Nacional dos Índios (FUNAI) ao longo das décadas de 1990 e 2000 se encontram todas paralisadas nas Justiças.
Diante desse contexto histórico, gostaríamos de evidenciar que em geral, nós povos indígenas temos também direitos garantidos nos documentos internacionais importantes, tais como: a Convençãonº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1989), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 143 de 25 de julho de 2002; a Declaração das Organizações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (ONU, 2007); e a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da UNESCO ratificada pelo Decreto nº 485, de 19 de dezembro de 2006.
Estes documentos reconhecem a contribuição dos povos indígenas para a diversidade cultural, considerada “patrimônio comum da humanidade” (ONU, 2007; 2) e para a formação das sociedades nacionais e de suas identidades socioculturais, apresentando uma série de diretrizes para que os Estados Nacionais desenvolvam ações voltadas para a efetivação “dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando sua identidade social e cultural, costumes, tradições e suas instituições” (OIT, 1989: 23). A Convenção da Diversidade das Expressões Culturais, por sua vez, recomenda aos Estados adotarem medidas para proteger e promover a diversidade cultural considerando esta como estratégica para o desenvolvimento sustentável nacional e internacional.
Compreendemos que a Constituição do Brasil de 1988 e os marcos legais estabelecidos pelos Organismos Internacionais instauraram as bases para o desenvolvimento de políticas públicas específicas voltadas para a efetivação dos nossos direitos diferenciados como os povos indígenas primeiros brasileiros. Importante dizer que as nossas diferenças culturais constituem um dos fatores determinantes para a criação de programas e políticas governamentais particulares. Desse modo, as nossas histórias, culturas e direitos acabam por indicar a construção das políticas públicas específicas nas áreas de: educação, saúde, cultura, segurança/defesa dos territórios tradicionais entre outros.
Como já dito, até hoje, há duas políticas públicas criadas para atender as especificidades dos povos indígenas nos setores da saúde e da educação. Por meio da Portaria nº 254 de 31 de janeiro 2002 o Ministério da Saúde aprova a Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena que visa compatibilizar a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990) com a Constituição Federal. O principal objetivo desta política é garantir aos povos indígenas o acesso à atenção integral e diferenciada à saúde considerando a diversidade sociocultural destes povos, bem como a eficácia suas medicinas tradicionais e o direito às suas culturas. Para tanto, foi criado no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas que institui os Distritos Sanitários Especiais Indígenas como forma de organização de serviços em espaços etno-culturais delimitados (Ministério da Saúde, 2002; 13).
No caso da educação a Constituição prevê o direito dos povos indígenas a terem acesso à educação formal diferenciada configurada pelo ensino bilíngue – português e línguas indígenas – e pela utilização de processos próprios de aprendizagem. A Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, torna obrigatório à inclusão de conteúdos de história e cultura indígena no currículo oficial da rede de ensino nacional. Enquanto o Decreto nº 6.861, de 27 de maio de 2009, dispõe sobre a educação escolar indígena e a sua organização dos territórios etnoeducacionais, regulamentando o direito constitucionalmente garantido.
Enfim, de modo similar, pensamos que seria necessário se construir uma política do Estado para a devolução/demarcação definitiva das partes de nossas terras tradicionalmente ocupadas por nós Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul.
Artigo 26
- Os povos indígenas têm direito às terras, territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido.
- Os povos indígenas têm o direito de possuir, utilizar, desenvolver e controlar as terras, territórios e recursos que possuem em razão da propriedade tradicional ou de outra forma tradicional de ocupação ou de utilização, assim como aqueles que de outra forma tenham adquirido.
- Os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram.
Cientes de nossas histórias e direitos, como povos indígenas, nós lideranças da Aty Guasu Guarani-Kaiowá vamos lutar reiteradamente pela efetivação dos nossos direitos no Estado do Mato Grosso do Sul e Brasil.
Atenciosamente,
Os membros do Conselho da Assembleia Geral Aty Guasu Guarani-Kaiowá-MS
28 de fevereiro de 2012