História Aty Guasu

Tonico Benites-Guarani-Kaiowá e pesquisador da UFRJ

História da invasão do território Guarani Kaiowá

Tekoha Guasu Guarani e Kaiowá, 18 de dezembro de 2012.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

NOTA DAS LIDERANÇAS DA ATY GUASU SOBRE O ASSASSINATO DE LÍDER NISIO GOMES PELOS PISTOLEIROS


NOTA DAS LIDERANÇAS DA ATY GUASU GUARANI-KAIOWÁ À IMPRENSA

O objetivo desta nota das lideranças da grande assembléia Guarani e Kaiowá Aty Guasu é reafirmar, mais uma vez, que a liderança religiosa Nisio Gomes de fato foi massacrado, assassinado e cadáver   foi escondido do tekoha Guaiviry (por volta de 06h30min) no dia 18/11/2011, pelos pistoleiros das fazendas localizadas no município de Aral Moreira-MS. Infelizmente, esta é conclusão definitiva que prevalecerá entre nós lideranças Guarani e Kaiowá.

A nossa conclusão está fundamentada nos depoimentos de todos parentes sanguíneos de Nisio Gomes e nas investigações próprias de todas as lideranças indígenas das terras indígenas de Mato Grosso do Sul que foram apresentadas no seio de três grandes assembleias Aty Guasu Guarani-aiowá. Além disso, um dos embasamentos de nossa consideração final a respeito de assassinato do Nisio é o regimento tradicional de formação de um líder-rezador ñanderu do povo Guarani e Kaiowá e, sobretudo consideramos as funções irrenunciáveis assumidos pelo rezador-suporte-líder da família extensa guarani-kaiowá.

Assim, destacamos que, ao longo de seis meses, (isto é, desde 18/11/2011 até 18/05/2012) tantos os parentes do Nisio quantos todos os líderes guarani-kaiowá se dedicaram (e ainda se dedicarão) reiteradamente à localização do corpo do Nisio, indo atrás de informação em todas as aldeias, mas não o encontramos. A única certeza que concluímos e socializamos, mais uma vez, que o rezador Nisio foi morto de modo cruel e seu cadáver está guardado pelos pistoleiros contratados pelos fazendeiros. 

Em princípio, o xamã Nisio Gomes é bem conhecido, portanto não tem como fugir e nem se esconder, visto que ao longo de quatros décadas, na condição de idoso e rezador formado é considerado como protetor de território, vida e cultura sagrada guarani e kaiowá, Nisio Gomes participou de todas as grandes assembleias Aty Guasu coordenando o ritual religioso. Por essa razão, ele é bem conhecido tanto pelas autoridades federais como pelas lideranças guarani e kaiowá de todas as aldeias do Cone Sul-MS.

Importa ressaltar que, ao atingir 45 anos de idades, o Nisio Gomes foi formado em xamã-rezador, conforme o regimento de formação de xamã-rezador a partir daí, ele foi realizador de importante ritual de batismo de crianças, que é um ritual de assentamento de nome/alma no corpo das crianças - mitã mongarai- que era realizada uma vez por mês, ou seja, 15 e 15 dias. O Nisio é portador de instrumento sagrado xiru marangatu e de várias rezas específicas para a realização de ritual de batismo. Ele é conhecedor de plantas medicinais. Como já dito, há mais de três décadas, o Nisio, além de reivindicar o território antigo tekoha Guaiviry, passou a ocupar a função importante de liderança religiosa ñanderu.

 É importante evidenciar que o rezador/líder religioso ñanderu, na crença e cultura do povo Guarani Kaiowá, é um cargo vital irrenunciável e imutável. Conforme o regimento determinante dos rezadores, o rezador formado não deve abandonar o território tradicional, os instrumentos sagrados xiru marangatu, nem deve se afastarem dos seus auxiliares, aprendizes, parentes, principalmente dos filhos (as), netos (as). Visto que o cargo de rezador formado é suporte sagrado e protetor vital do território e dos integrantes do povo Guarani-Kaiowá.

No que diz respeito às funções de liderança nas aldeias é fundamental destacar que uma das funções principais das lideranças e seus auxiliares das aldeias indígenas são o de conhecer bem todos os membros das aldeias, controlando rigorosamente a circulação dos membros da comunidade, isto é, a cada liderança guarani-kaiowá procura a conhecer as pessoas (índios e “brancos”) que chegam à aldeia indígena de sua jurisdição. Além disso, a liderança investiga as violências praticadas no interior da aldeia e punem os autores, denunciando e entregando os indígenas violentos à polícia e justiça, por isso mesmo, há centenas de indígenas prisioneiros.

Destacamos ainda que, quando a própria liderança indígena pratica qualquer ato violento e ilícito, tanto contra seus membros como contra não índios “brancos”, com honra o líder assume publicamente seu crime e ainda exige que seja punido exemplarmente, assim, a princípio, normalmente a liderança indígena não inventa nada para se escapar da punição e da justiça. Neste sentido, temos obsoluta certeza que se o rezador Nisio Gomes se estivesse com vida não se esconderia da sua luta histórica e da justiça.

Até os dias atuais, nenhuma liderança guarani-kaiowá não se escondeu e nunca correrá e nem se esconderá da luta pelos territórios tradicionais.

 Hoje, em todas as aldeias Guarani-Kaiowá há centenas de lideranças guarani-kaiowá com responsabilidade séria que investigam, interrogam e aprovam os depoimentos dos indígenas violentados durante os ataques praticados pelos pistoleiros em todas as regiões do Cone Sul de MS. Somente depois disso foram, são e serão feitas as denúncias dos crimes variados contra o povo Guarani-Kaiowá.

Baseado nessa forma de atuar de lideranças guarani-kaiowá citada acima, sobretudo no regimento tradicional dos rezadores Guarani e Kaiowá, o rezador Nisio Gomes com vida não deve abandonar o território antigo que ele reocupou, não deve deixar os instrumento sagradosxiru marangatu, auxiliares, aprendizes, parentes, sobretudo os filhos (as), netos (as), porém o território antigo reocupado Guaiviry, os filhos (as), netos (os), parentes foram abandonado por Nisio Gomes no dia 18/11/2011, por quê?? Sem dúvida, o rezador Nisio abandonou já sem vida o território tradicional tekoha Guaiviry reocupado com qual lutou três décadas e ele já sem vida deixou o instrumento sagrado xiru marangatu, familiares em tekoha Guaiviry.

Como já anunciamos anteriormente, nós lideranças-investigadores da Aty Guasu investigamos rigorosamente, ouvimos em detalhe todos os parentes, irmãos (ãs), filhas (os), netos (as) de modo repetitivo, na grande assembleia Aty Guasu. A partir de todos os depoimentos ouvidos e analisados no seio de três (03) assembleia geral Aty Guasu concluímos que a liderança religiosa Nisio Gomes de fato foi assassinado e levado do tekoha Guaiviry no dia 18/11/2011 pelos pistoleiros das fazendas. Esta é conclusão definitiva que prevalecerá eternamente entre nós todos, os povos Guarani e Kaiowá.

Atenciosamente,
Em, 24 de maio de 2012
Conselho da Aty Guasu Guarani-Kaiowá-MS

sexta-feira, 18 de maio de 2012

DE BRASÍLIA-DF-Nota das lideranças da Aty Guasu Guarani-Kaiowá


Nota das lideranças da Aty Guasu Guarani-Kaiowá

Nós lideranças da grande assembléia Guarani-Kaiowá Aty Guasu vimos por meio desta nota socializar o nosso movimento Guarani-Kaiowá na capital do Brasil e diálogo com as diversas autoridades federais em Brasília-DF. Destacamos que nesta semana ( 16 A 19/05/2012) nós representantes dos povos Guarani- Kaiowá  retornamos a fazer denúncias e demandando justiça conforme os nossos Direitos Constitucionais (CF/88 e 169 OIT).

Com o intuito de entregarmos os documentos escritos pessoalmente às autoridades federais em Brasília-DF; sobretudo para narrarmos as nossas situações míseras e as violências praticadas contra nosso povo Guarani-Kaiowá no Cone Sul de Mato Grosso do Sul estamos em Brasília-DF, desde 16 de maio de 2012. Pretendemos permanecer na capital do Brasil até conversarmos com todas as autoridades federais competentes, (isto é, a presidente da FUNAI, as autoridades vinculadas à Presidência da Republica, ministérios, Câmara e Senado Federal, Supremo Tribunal Federal, 6ª Câmara/PGR/MPF, etc) às quais competem diretamente às soluções definitivas de nossas diversas demandas.

Importa destacar que o nosso movimento e nossa conversa com as autoridades federais em Brasília-DF ocorrem devidos continuidades das situações míseras, perplexa e instável permanente de vida de mais de trinta mil (30.00) Guarani-Kaiowá expulsos dos territórios tradicionais que se encontram em oito (08) Postos Indígenas/aldeias superlotadas, bem como, aproximadamente 6 mil Guarani-Kaiowá despejados das terras antigas que estão assentados nos mais de dez (10) acampamentos em conflito, nas margens das rodovias BR do Cone Sul de MS, onde dia e noite enfrentam as misérias e violências adversas.

De fato, nos últimos 15 anos, a vida mísera e instável, assassinatos, suicídios e desnutrição que atingem a nova geração Guarani e Kaiowá são o resultado direto de violentas expulsões dos indígenas dos territórios tradicionais praticadas por novos ocupantes ou fazendeiros do atual Cone Sul de MS ao longo das décadas de 1970 e 1980.

Em geral, já vivemos e sentimos que as consequências das ações de despejos tanto pelos pistoleiros das fazendas, quanto pela Justiça, os resultados foram, são e serão extremamente truculentos e nocivos para a nova geração Guarani-Kaiowá.  

Assim, hoje, a continuidade de nossa miséria, sofrimento, instabilidade e dispersão cruel de nossas famílias, a tentativa de desligamento de nosso território foi e continua sendo efetuado pela ação dos atuais fazendeiros aliados aos políticos locais que invadiram integralmente os nossos territórios desde década 60. Dessa forma, fomos levados às reservas/aldeias em meado de 1970, onde hoje não há mais espaço de terra para nós sobrevivermos.

De fato, em decorrência desses vários despejos violentos já resultaram centenas de suicídios, assassinatos e mortes por desnutrição em todas as reservas/aldeias superlotadas. Nestas reservas não há como praticar e preservar mais nosso modo de ser e viver Guarani-Kaiowá. Diante disso que muitas famílias Guarani-Kaiowá decidiram e tentaram retornar aos nossos territórios antigos, ocupando pequenas parcelas de terra, com o objetivo de sobreviver culturalmente e para praticar os rituais religiosos e se afastar do mundo de violências das reservas/aldeias superlotadas. Como exemplo temos: As comunidades de Laranjeira Ñanderu -Rio Brilhantes-MS, Takuará-Juti, Kurusu Amba-Cel Sapucaia, Guaiviry-Aral Moreira, Guyra Roka-Caarapó, Ypo’i-Paranhos, Pyelito Kue-Iguatemi entre outros.

Dessa forma, uma das pautas fundamental aqui em Brasília-DF são a demarcação e devolução da parcela de nossos territórios invadidos pelos fazendeiros.

Sabemos que desde o início da década de 1980 passamos a retornar a parte dos nossos territórios antigos, fazendo com que as violências só aumentassem contra-nos.

Como consequência desses conflitos fundiários inúmeros ataques vêm sendo praticados, causando não somente a morte de lideranças como também ameaças permanentes das lideranças, tortura, sequestro e isolamento de membros das famílias indígenas que se encontram nas zonas de conflito permanentes. Por um lado, hoje, no Cone Sul do Mato Grosso do Sul em territórios reocupados, isto é, nos acampamentos Guarani-Kaiowá localizados nas regiões litigiosas, as crianças, mulheres e idosos indígenas, por exemplo, têm dificuldades para receber qualquer tipo de atendimento à educação e à saúde, por que os acampamentos são isolados pelos fazendeiros. Em decorrência disso, as nossas comunidades indígenas que estão vivendo nos minúsculos acampamentos das regiões em conflito continuam sendo vítimas de violências perversas, além de passar miséria diariamente.

Por outro, nos casos onde as nossas lideranças foram vítimas de ataques seguidos de morte, (no caso de Nisio Gomes, Genivaldo Vera,  Xurite Lopes, etc) os autores e mandantes desses crimes não foram punidos pelas instituições públicas locais, instalando assim uma situação de insegurança para nós todos indígenas. Diante desses fatos, nós lideranças aqui em Brasília-DF, mais uma vez, tentamos refazer denúncias, demandando justiça, sabemos que historicamente as nossas narrações e depoimentos foram e são sempre distorcidos e ignorados pelas autoridades brasileiras, não atendendo assim as nossas denúncias e reivindicações, mas mesmo assim, insistimos e retornamos a pedir Justiça e as políticas públicas de reparação, por essa razão, estamos aqui em Brasília-DF, tentamos conversar com as diversas autoridades federais.

Por fim pretendemos destacar a todas as autoridades federais que nos Guarani e Kaiowá temos uma ligação especial com o território, pertencemos à determinada terra. Assim, a terra ocupada e reocupada por nossos recentes antepassados é vista por nós como uma fundamentação de vida boa, vida em paz, sobretudo é a fonte primária de saúde, bem estar da comunidade e famílias indígenas.  Dessa forma, o nosso território tradicional é vital para nossa sobrevivência e desenvolvimento de atividades culturais que permitem a vida boa como um forte sentimento religioso de pertencimento à terra antiga do nosso ancestral, fundamentada em termos cosmológicos, sob a compreensão de que nos Guarani-Kaiowá fomos destinados, em nossa origem, como humanidade, a pertencer, viver e a cuidar deste específico território antigo. Baseado nisso, reocupamos vários nossos territórios antigos e solicitamos com urgência a regularização e reconhecimento por parte do Governo e Justiça Brasileira.

Atenciosamente,
Lideranças de Aty Guasu- Brasília-DF, 16 de maio de 2012
Lideranças da Aty Guasu do povo Guarani-Kaiowá do MS. 

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Mobilização étnica de Guarani-kaiowá na mídia suscita discriminação e preconceito


O povo Guarani e Kaiowá na mídia local de Mato Grosso do Sul
Mobilização étnica de Guarani-kaiowá na mídia suscita discriminação e preconceito 

Autor: Tonico Benites - é guarani-kaiowá, mestre e doutorando em Antropologia Social da UFRJ.

Nos jornais, nas TVs, nas Rádios FM/AM do Estado do Mato Grosso do Sul é muito comum encontrar notícias relativas aos indígenas que sobrevivem neste Estado. Um dos assuntos que sempre são destacados pela mídia local são os casos de suicídio, violência, morte e desnutrição, entre estes Guarani e Kaiowá das minúsculas reservas.

 É fundamental observar que essa construção e divulgação de informações é um elemento importante para os cidadãos não índios conversarem, discutirem e construírem o seu conhecimento sobre os Guarani e Kaiowá. Frequentemente vemos formas de divulgação na mídia que se expressam claramente de modo discriminante e estigmatizante. Por exemplo: as mortes e assassinatos dos indígenas pelos não índios são classificadas genericamente como de “violência interna”, “alcoolismo”, etc. Os acontecimentos relacionados com a disputa histórica pela terra, a partir da reivindicação e luta pela efetivação dos direitos indígenas são apresentados como de “invasão de terra”e “vandalismo”. Ao mesmo tempo, os comentaristas das mídias locais do Cone Sul divulgam as suas visões se baseando na teoria ultrapassada em função de poderes e interesses econômicos, sem levar em consideração o fato histórico de dominação, colonização do território indígena e confinamento compulsório dos indígenas na minúscula reserva em que estão condenados a ser vítima e sofrer interferência diversa dos não índios.

 De fato, os comentários e as visões apresentada na mídia é sempre resultado de observações superficiais e afirmações de não índios preconceituosos e truculentos. O efeito disto é uma estigmatização nociva para todos os indígenas. Como dito, a luta histórica pela recuperação das terras perdidas com o aldeamento oficial nas reservas é apresentada pelos novos ocupantes do território como um ato altamente violento, perigoso e ilegal. Portanto, a manifestação étnica e reivindicação dos indígenas são comentadas na mídia local como desrespeitando a lei e temidas. Por fim, é possível se afirmar que os comentários divulgadas na mídia local de atual Cone Sul constrói uma visão muito distorcida e superficial sobre a história e a vida dos Guarani e Kaiowá, que não corresponde com o modo como os próprios indígenas narram a história, entendem e vivem as suas vidas, em relação mais ampla com o mundo espiritual dos seus antepassados. Assim sendo, esta visão e a sua divulgação tornam-se uma reprodução de preconceitos e estigmas com relação a um grupo social diferente, contribuindo para reforçar o senso comum preconceituoso e infundado.

Apesar desse senso comum estigmatizante e preconceituoso, colocando em processo de dizimação dos indígenas, porém nas terras indígenas recente recuperadas, é notável que a maioria dos indígenas sobreviventes se auto-reconhecem etnicamente, tentam realizar o seu modo de ser e de viver diferenciados harmoniosamente, pregando religiosamente sua cultura tradicional da paz, mesmo em um contexto de contato interétnico adverso e violento em que sobrevivem. Deste modo, estes indígenas demonstram claramente que nas áreas tradicionais recuperadas, eles revitalizam as boas ações culturais para a vida em paz e sem violência que são redefinidas a partir de sua organização social, política e religiosa próprias que mereceriam também ser entendidas e comentadas por todos os cidadão sul-mato-grossense.